sábado, 29 de janeiro de 2011

Corrupção continuada e ouvidos de mercador

"A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”.
Jô Soares


Na montagem da revista ÉPOCA, alguns do pilares que fazem de Eduardo Cunha um dos deputados federais mais influentes do país.
 O noticiário dos últimos dias mostra uma variedade de assaltos na mão grande e cristaliza um ambiente de impunidade banalizada. O golpe de R$ 73 milhões na estatal Furnas Centrais Elétricas, a confirmação de que o   BNDES pagará de aluguel por 5 anos R$ 310 milhões -o que gastaria na construção de um prédio semelhante-  e a decisão da ANEEL de dar cobertura à extorsão praticada pelas concessionárias de energia elétrica (uma bagatela de R$ 7 bilhões) saltam diante dos seus olhos e estouram seus tímpanos, mas você se faz de míope com ouvido de mercador, assimilando tais afrontas como coisas normais dos hábitos e costumes crônicos.
 Os titulares dos podres poderes continuam mais serelepes do que nunca no exercício do mais descarado culto à dilapidação do dinheiro público e favorecimento dos interesses espúrios.   E nós, cidadãos iludidos, parecemos vencidos pela inércia mais doentia, como se uma lobotomia tivesse extirpado nosso sentimento de indignação ou como se muitos de nós estivéssemos esperando que a fila ande para também tirar uma casquinha nesse assalto continuado.
Veja a que nível de abuso chegaram os corruptos que deitam e rolam na maior,  ante a omissão ampla, geral e irrestrita dos brasileiros.
O golpe contra Furnas
No dia 4 de dezembro de 2007, a Estatal Furnas Centrais Elétricas abriu mão da  preferência para a compra de um lote de ações da empresa Oliveira Trust Servicer,  na exploração de energia elétrica na Serra do Facão, em Goiás.
No dia 9 de janeiro de 2008, esse lote foi adquirido por R$ 6,96 milhões pela Companhia Energética Serra da Carioca II, do grupo Gallway, cuja origem é o paraíso fiscal das Ilhas Virgens britânicas, e cujos titulares - Lutero de Castro Cardoso  e Lúcio Bolonha Funaro -  são amigos do peito do deputado Eduardo Cunha, responsável pela indicação dos diretores dessa estatal.
No dia 29 de julho de 2008, a diretoria de Furnas mudou de idéia e resolveu comprar o lote já em poder da empresa dos amigos do deputado. Só que por R$ 80 milhões, isto é, por uma diferença de R$ 73,04 milhões - um preço 11,5 superior ao pago pela Gallway, registrada na Junta Comercial de São Paulo em abril de 2007, isto é, 9 meses antes de fazer a primeira transação.
O presidente de Furnas durante essas operações, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, trocou a Secretaria de Cultura do Estado do Rio pelo cargo, por indicação do deputado Eduardo Cunha.
No dia 24 de setembro de 2008, alegando a necessidade de tratar um câncer, Conde renunciou ao cargo. Foi substituído por Carlos Nadalutti Filho, igualmente indicado por Eduardo Cunha que, sempre apoiado pelos parceiros do PMDB fluminense, também apadrinhou as nomeações dos diretores de Finanças e de Construções da Estatal.
 Em 2009, Furnas encerrou o ano com prejuízo líquido de R$ 129,15 milhões, contra lucro líquido de R$ 454,52 milhões em 2008. Em março próximo, quando será divulgado o balanço de 2010, espera-se um novo resultado negativo.
Agora, em meio à disputa por essa empresa loteada entre políticos as falcatruas aparecem, com a divulgação de documentos elaborados por alguns dos seus engenheiros.
Nesses documentos, além de falar da mega-negociata da Serra do Facão, os profissionais pedem às autoridades que apurem as circunstâncias em que Furnas contratou uma empresa prestadora de serviços, com dispensa de licitação, para fazer o concurso público da estatal.
A presidente Dilma Rousseff tem muitos mais detalhes sobre a bandalheira em Furnas do que eu.  Pela lógica, não há condição para reconduzir ninguém indicado por Eduardo Cunha, cuja ficha corrida é mais suja do que pau de galinheiro, embora, pela natureza da festejada Lei da Ficha Limpa, ele tenha tido o seu registro aceito pela Justiça Eleitoral com louvor.
Mas há algo que pode desmontar essa lógica: Eduardo Cunha é amigo íntimo do vice-presidente Michel Temer, que DEVO muito a ele por sua  recondução à Presidência da Câmara. E, mais do que isso, coleciona em seu poder informações comprometedoras de alguns dos mais proeminentes mandarins desses podres poderes.   
Nesses dias, a presidente centraliza suas atenções no apoio ao candidato do PT à presidência  da Câmara Federal. E não seria prudente deixar Eduardo Cunha mal na fita, embora o PMDB de Minas queira emplacar em Furnas o ex-senador Hélio Costa, candidato derrotado ao governo de Minas, oferecendo uma “saída honrosa” para essa disputa.
BNDES paga aluguel de marajá
Outra história: o BNDES está alugando um prédio por cinco anos para instalar-se enquanto faz uma reforma no seu.  O valor do aluguel é de R$ 310 milhões, quase os R$ 354 milhões que o TSE gastará na construção do mais luxuoso edifício do Poder Judiciário, cujas obras já foram questionadas pelo Ministério Público Federal. No caso do banco estatal, a grana toda é para um aluguel de 5 anos, enquanto gasta outra fortuna na reforma do seu edifício-sede.
Essa peripécia do banco é apenas uma das suas.  Há todo um inventário de queixas sobre os critérios de emprego de R$ 100 bilhões para financiamento. A própria compra superfaturada por Furnas da empresa dos amigos do deputado Eduardo Cunha aconteceu graças a um empréstimo “relâmpago” do banco à estatal.
ANEEL legaliza a extorsão das “elétricas”.
Agora veja essa: A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) decidiu no último dia 25, mais uma vez, negar o ressarcimento de cerca de R$ 7 bilhões aos consumidores pelos valores pagos a mais às distribuidoras de energia entre 2002 e 2009. A ANEEL já havia decidido em dezembro do ano passado que a revisão da metodologia de cálculo dos reajustes das tarifas da eletricidade, feita em 2010, não poderia retroagir em relação aos valores já pagos. O que Light e companhia embolsaram indevidamente vão continuar em seus cofres e o cidadão que fique no prejuízo.
A justificativa é que a aplicação retroativa do método não tem amparo jurídico e sua aceitação provocaria “instabilidade regulatória ao setor elétrico”.
Vê se você entendeu: a ANEEL admite que as concessionárias de energia elétrica  amealharam R$ 7 bilhões dos usuários com cobranças superfaturadas. Mas confirma que por ela isso vai ficar por isso mesmo. 
A cobrança indevida na conta de luz foi descoberta em 2009 e se deu pelo fato de que a definição dos preços de energia é feita com base nos custos das distribuidoras e no número de consumidores. Além disso, todos os consumidores brasileiros de energia contribuem para fornecer eletricidade em regiões e sistemas isolados, sobretudo na Amazônia.
O problema é que, para calcular o valor das contribuições cobradas em cada conta, não foi levado em consideração o crescimento do número de consumidores, o que levou as distribuidoras a arrecadarem mais do que o necessário e gerarem um prejuízo da ordem de R$ 7 bilhões aos consumidores.
Há uma relação de parentesco de primeiro grau entre a dilapidação de uma estatal e o favorecimento pela agência reguladora das concessionárias de energia, que pioraram seus serviços e tiveram ganhos reais de tarifas desde as privatizações.
Porque em qualquer situação o ambiente é favorável a grandes tacadas que favorecem interesses de grupos, em prejuízo do erário e da população.
Vou ficando por aqui na esperança de que você entenda de que a conta desses assaltos vai ser paga por todos nós. Você, inclusive.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A guerra suja nos podres poderes com o mínimo servindo de bala de festim

E o povo se divide entre os últimos capítulos de  "Passione" e o final feliz da novela de Ronaldinho Gaucho
"Neste momento, é temerário aumentar acima de R$ 540. Se vier diferente, vamos vetar. Não tem risco de termos um aumento acima. O Executivo tem a prerrogativa de vetar".
Guido Mantega, ministro da Fazenda, falando como se fosse o presidente da República.

Não há a menor hipótese dessas “divergências” em torno do novo salário mínimo serem
resultantes de compreensões diferentes sobre a justeza política ou técnica de qualquer um dos valores conhecidos.
Para variar, o reajuste virou peça de manobra na corrida desembalada por uma fatia rendosa desses podres poderes. Ou mesmo para definir quem é o gostoso nesse time de pernas de pau que a presidente Dilma Rousseff sacramentou em nome do pai, do filho e do espírito santo.
O salário mínimo entra nessa rusga como Pilatos entrou no Credo. Mas ainda vai dar muitos panos pras mangas. E servir de trunfo para a turma do deixa disso, sempre à espreita de um entrevero para exibir suas receitas de como engolir sapos ensandecidos.
Lupi fala grosso
Que eu saiba, esta foi a primeira vez que o ministro Carlos Roberto Lupi  falou grosso e  se expôs em público num confronto com Guido Mantega, o ministro da Fazenda que sempre criou dificuldades para ele, numa espécie de represália por ter o Ministério do Trabalho escapado ao controle do Partido dos Trabalhadores.
Nascido em Gênova, na Itália, Mantega é uma figura sem carisma, que começou a ocupar cargos públicos como assessor de Paul Singer, quando este era secretário municipal de Planejamento da prefeita Luiza Erundina, no início da década de 90.
Quando Lula assumiu a presidência, pôs Mantega no Planejamento e Paul Singer, um dos mais importantes revisionistas do sistema econômico socialista, no terceiro  escalão do Ministério do Trabalho.
Lupi o encontrou lá, escondido na penumbra, cuidando de formação de empresas auto-geridas, e o prestigiou. Aliás, com seu jeito de ser, o ministro pedetista assimilou praticamente todo a equipe que encontrou, inclusive Luiz Orlando Medeiros, ex-presidente da Força Sindical, que havia sido desbancado por Paulo Pereira da Silva, seu ex-pupilo, com quem Lupi estabeleceu uma aliança de conveniências mútuas, hoje meio barro, meio tijolo.
Mantega, o que quer ser o tal
Como não é segredo, Mantega foi o primeiro ministro indicado por Lula para continuar no cargo, sob o comando de Dilma Rousseff. Medíocre, mas oportunista por convicção, ele sempre foi muito discreto e cumpriu sem pestanejar todas as tarefas confiadas pelo chefe, ao qual passou a assessorar, em 1993, depois de passar alguns anos no CEBRAP, tendo FHC como seu amado mestre.
Mas ele não se manteve no cargo sob os aplausos gerais. Pelo contrário: Dilma o nomeou sem pestanejar, mas colocou na chefia de sua Casa Civil o sanitarista Antônio Palocci, a quem Mantega substituiu no Ministério da  Fazenda, depois que Lula o demitiu em 26 de março de 2006, como consequência do escândalo  da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa.
Ao assumir o ministério que tem poderes excepcionais sobre a vida econômica das empresas e das pessoas, Guido Mantega tratou de montar seu próprio “staff” e definir suas próprias cartadas, livrando-se de quem tinha amores pelo antecessor. Aliás, ele já guardava uma certa mágoa, por achar que Palocci teria tido alguma influência na sua demissão do Ministério do Planejamento, em novembro de 2004.
O ministro que não criava caso
Durante todo o governo Lula, Carlos Roberto Lupi aceitou o confinamento do Ministério do trabalho nos limites do FAT – o Fundo de Amparo ao Trabalhador que tem ajudado também aos empresários – e do CAGED – cadastro que registra admissões e demissões no Ministério do trabalho.
Com o FAT, pôde dar alguma mãozinha a prefeituras e entidades não governamentais que prometiam treinar a mão de obra.  Como os delegados regionais do Trabalho são indicados por seu partido – o PDT – ele incentivou seus partidários a assumirem secretarias do Trabalho nos âmbitos dos Estados e municípios, independente da filiação dos chefes dos Executivos. E aí costurou um “trabalho conjunto”.
Já com relação ao CAGED, ele passou a ser o divulgador de suas estatísticas mensais,  criando uma imagem de que o seu ministério tinha alguma coisa a ver com o aumento dos empregos no país.
Fora disso, havia admitido sem espernear a desfiguração de sua Pasta, criada por Getúlio Vargas em 26 de novembro de 1930, no bojo da revolução que se propunha modernizadora das relações de trabalho. Até então, apesar da criação do Departamento Nacional do Trabalho, em 1918, pouco depois de uma rebelião que mobilizou tecelões e metalúrgicos no antigo Distrito Federal, sob a liderança do anarquista José Oiticica, as reivindicações dos trabalhadores eram tratadas como casos de polícia.
Abriu mão da principal função do Ministério, mediar os conflitos trabalhistas. Ficou fora das investigações sobre trabalho escravo nas plantações de cana em São Paulo, da greve dos correios e da ameaça de greve nos aeroportos.
Pior: ficou sozinho, sem nenhum apoio do governo, diante de uma greve dos funcionários do seu Ministério, que durou de abril a novembro de 2009, e terminou sem ganhos, deixando-o mal na fita.
Nenhuma semelhança com João Goulart
Pisando em ovos, sem mandato e sem padrinhos influentes, Lupi não se assemelhou nem de longe a João Goulart, que partiu para o confronto ao lado dos trabalhadores, defendendo e obtendo de Getúlio Vargas o aumento de 100% do salário mínimo, em 1954 (durante todo o governo do general Dutra o mínimo havia sido congelado). O reajuste lhe custou o cargo, com sua demissão em fevereiro do mesmo ano, mas a partir daí Jango se tornou a grande referência dos assalariados.
Lupi preferiu aceitar as regras de um jogo adverso, no qual foi ignorado até na montagem da “reforma trabalhista”            concebida por Mangabeira Unger, em estreita colaboração com a equipe do ministro Mantega, mais uma rasteira que ele aguentou calado.
PDT a reboque de olho no amanhã pessoal
Para construir seu “direito a permanecer no cargo”, Lupi colocou o PDT a reboque da candidatura Dilma, interferindo para que nos Estados o partido criado por Brizola também fosse caudatário do PT, e operando com dedicação os interesses da candidata. Foi por seu intermédio que o senador Osmar Dias concordou em ser candidato governador do Paraná, mesmo sabendo da força de Beto Richa, do PSDB, a quem poderia ter se aliado para garantir sua reeleição. Nessa negociação, Lupi foi portador de uma garantia do presidente Lula de que Osmar não ficaria no sereno se perdesse a eleição. O pedetista perdeu e já está em maus lençóis com as ofertas de prêmios de consolação humilhantes.
O salário mínimo passou a ser agora uma espada afiada nas mãos de alguns. O PMDB, que se sente mal servido pelas prebendas do novo governo, ameaça virar a mesa e ajudar a votar um mínimo maior do que o concebido pelo governo, a partir do diagnóstico de Mantega.
Paulinho da Força Sindical, defensor de um mínimo de R$ 580,00 por que quer ser mais ele,  resolveu ignorar Lupi e pediu ao deputado Marco Maia, candidato petista à Presidência da Câmara, que o leve à presença da presidente Dilma Rousseff para tratar do assunto, juntamente com dirigentes de outras centrais sindicais.
Entre a cruz e a espada, Lupi, que não é de dar murro em ponta de faca, foi pedir a cobertura de Palocci e surpreendeu ao desautorizar Mantega, que, se achando o rei da cocada preta, avisou ao Congresso que vetará (ele?) qualquer aumento acima dos R$ 540,00 previsto na medida provisória assinada ainda por Lula.
Temos aí mais uma crônica típica do mundo encantado dos podres poderes. É uma queda de braço sobre um assunto do interesse de milhões de trabalhadores. Que pareciam até ontem divididos entre a audiência da novela “Passione” e o desfecho da novela de Ronaldinho Gaucho, agora semideus da nação rubro-negra.